QUINZE MIL NOVAS INFECÇÕES POR ANO

Angola conta com cerca de 310.000 pessoas que são portadores de VIH/Sida e tem um registo anual de 15.000 novas infecções e de cerca de 13.000 mortes relacionadas com a doença, anunciou hoje a ONUSIDA.

Os dados do Programa Conjunto das Nações Unidas para o Combate do VIH/Sida (ONUSIDA) em Angola foram transmitidos hoje, em Luanda, durante uma cerimónia de apresentação do Relatório Global sobre o VIH/Sida 2023 “Deixem as Comunidades Liderarem”.

Em comunicado, a ONUSIDA refere que, entre 2010 e 2022, Angola teve uma redução de 45% na incidência do VIH/Sida.

Os dados referem que jovens entre os 15 e os 24 anos são o grupo que regista maior incidência (0,7%), sendo que nas jovens meninas e mulheres é de 1,1%, “quatro vezes superior aos rapazes (0,3%) e ainda mais crítica entre jovens mulheres na categoria população chave (prostitutas)”.

A ONUSIDA manifesta preocupação com os dados desactualizados do último Inquérito Biológico e Comportamental Integrado para populações chave, sublinhando que Angola tem o compromisso (este e outros, muitos outros, que por regra não cumpre) de acelerar as acções de prevenção e dos serviços de saúde sexual e reprodutiva.

O compromisso de Angola implementar as principais recomendações da Avaliação do Ambiente Jurídico para o VIH/Sida e o direito à saúde sexual reprodutiva, através do Plano Estratégico Nacional de Resposta ao VIH/Sida, Hepatites Virais e outros Infecções Transmissíveis Sexualmente 2023-2026, constam do eixo das preocupações da ONUSIDA.

O Programa Conjunto das Nações Unidas para o Combate do VIH/Sida destaca o aumento do diagnóstico (40%-93%) e tratamento (34%-79%) entre gestantes seropositivas, entre 2018 e 2022, como “principais progressos” registados por Angola.

Pouco investimento comunitário para a prevenção, estigma e discriminação, poucos recursos para conter a expansão da carga viral e a fraca adesão do tratamento anti-retroviral pela deficiência do apoio social são apontados pela ONUSIDA como principais desafios para Angola.

Este encontro, de antecâmara ao Dia Mundial da Sida, decorreu na sede da Rede Angolana das Organizações de Serviços de Sida e Grandes Endemias (ANASO), organização não-governamental.

António Coelho, presidente da ANASO, disse, na ocasião, que o país precisa de “resolver os problemas da liderança política, dos dados, que são estimados e não representam a real situação do VIH/Sida, e dos fundos nacionais para o combate à doença”.

“Se não resolvermos esses problemas não vamos conseguir acabar com a Sida como um problema de saúde pública até 2030”, observou o líder associativo.

Em Janeiro deste ano já a ANASO considerou que o “aumento” de novas infecções por VIH/Sida e de mortes relacionadas com doença no país justificavam mais acções e disponibilidade de mais fundos e lamentou a “redução” de actividades comunitárias em 2022.

Na altura, em mensagem de balanço de 2022 e perspectivas para 2023, a ANASO afirmou que no ano passado registou “limitações no acesso aos anti-retrovirais e rotura de stock” de outros produtos de saúde.

“Voltamos a registar um aumento de casos de transmissão dolosa e das práticas de estigma e discriminação associadas ao VIH que estão a afastar as pessoas vivendo com a doença na luta contra a epidemia em Angola”, lê-se na mensagem de então.

A ANASO disse também que não se conseguiu resgatar os diferentes serviços comunitários de VIH que foram encerrados na altura da Covid-19 e que registou o encerramento de serviços de organizações comunitárias por falta de fundos.

Em 2022, “houve uma grande redução das actividades comunitárias de VIH/Sida que podem comprometer os esforços do país para que possamos acabar com a sida com um problema de saúde pública até 2030”, acrescentou.

A ONG defendeu que o aumento de novas infecções por VIH e de mortes relacionadas com a Sida justificam a realização de mais acções e a disponibilidade de mais fundos.

Segundo a ANASO, que na altura estimou que vivam no país mais de 300 mil pessoas seropositivas, Angola estava entre os 25 países com maior número de novas infecções por VIH entre os adolescentes e jovens no mundo.

Pelo menos 16.000 pessoas morrem anualmente em Angola vítimas do VIH/Sida, como apontou a ANASO em Outubro de 2022. Cada dia, referiu, “cerca de 20 novas infecções por VIH ocorrem entre os adolescentes e jovens dos 15 aos 24 anos em Angola”.

Os grandes desafios para 2023 passariam pela “melhoria da coordenação” entre o Governo e a sociedade civil, através do funcionamento da Comissão Nacional de Luta contra a Sida e Grandes Endemias.

De acordo com a nota assinada pelo presidente da organização, António Coelho, o outro grande desafio era a maior participação das organizações da sociedade civil que trabalham em VIH nos espaços de concertação social a nível provincial e municipal para o aprofundamento dessas questões.

Já em Janeiro de 2020, a ANASO mostrava-se preocupada com o aumento de novos casos de infecção, exigindo melhorias na resposta à doença. Antes, em Novembro de 2018 referia que Angola “continua a perder a guerra” contra a sida”, com o registo de 28 mil novas infecções e 13 mil mortes por ano. Nada de novo, portanto.

“A situação da Sida em Angola continua preocupante. Apesar dos esforços do governo e da sociedade civil, o número de novas infecções por HIV tem estado a aumentar, com cerca de 28 mil novas infecções por ano, e o número de mortes também tem estado a aumentar com 11 a 12 mil mortes por ano “, disse António Coelho.

O responsável da ANASO falava à margem de uma reunião de alto nível, em Luanda, entre o Governo de Angola e o Fundo Global de Luta Contra a Sida, Tuberculose e Malária.

“Temos boas políticas, temos boas estratégias, mas se se for ao terreno não há implementação das acções porque não há fundos”, sublinhou o responsável, acrescentando que o Governo “tem grande dificuldade em colocar dinheiro” para responder a doenças como o HIV/Sida.

Considerando necessário que se criem condições para alterar comportamentos e responder melhor ao problema, António Coelho salientou então que “é preciso melhorar a vontade política”, melhorando a “liderança política”, que está “comprometida” pelo mau desempenho da Comissão Nacional de Luta Contra a Sida e Grandes Endemias.

Há também “sérios problemas na recolha e tratamento dos dados”, continuou o dirigente da ANASO, referindo que a taxa de prevalência de 2% “vem de há 10 anos” o que significa que existem entre 350 mil a 500 mil pessoas a viver com HIV no país, das quais só 78 mil estão a fazer tratamento.

Angola está também entre os países como mais alta taxa de transmissão vertical do HIV (de mãe para filho), na ordem dos 28%.

O responsável da ANASO indicou que era (continua a ser) também necessário ultrapassar as limitações financeiras: “Continuamos como há alguns anos atrás de mãos estendidas e a olhar para organizações internacionais, temos de inverter a situação e, sobretudo, melhorar a contribuição do governo angolano no âmbito da luta conta Sida”.

Nesse âmbito, adiantou estar “a olhar para contribuições como a do Fundo Global que está em Angola desde 2004, com um apoio acumulado superior a 350 milhões de dólares [318 milhões de euros], que infelizmente tem diminuído nos últimos anos”. O Fundo Global é um dos principais parceiros do Governo no combate às grandes endemias como o HIV/Sida, Malária e Tuberculose.

António Coelho sublinhou “a necessidade de Angola demonstrar a contrapartida do Governo angolano na luta contra as três doenças”, já que o Fundo entende que, nos últimos anos, não teve evidências claras da contrapartida angolana, o que pode “comprometer a continuidade”.

Para expressar a importância deste apoio, o presidente da ANASO disse que hoje a nível de medicamentos sobrevive-se “graças ao Fundo Global”.

“Estamos em crer que haja apenas um ruído na comunicação, não me parece que o Governo angolano não esteja a cumprir a sua parte, mas é preciso que haja evidências”, de que a contribuição financeira angolana está a ser aplicada, notou.

O presidente do conselho do Fundo Global, Donald Kaberuka, esteve em Luanda no encontro de alto nível em que participaram também as ministras angolanas da Saúde, Sílvia Lutucuta, e de Estado para a Área Social, que então era Carolina Cerqueira.

“Precisamos de resolver o problema da sustentabilidade da resposta comunitária ao VIH/Sida, pelo que temos de lutar para que a ANASO seja uma instituição de utilidade pública”, sublinhou.

Aumentar o acesso da população aos cuidados primários de saúde, “e isso significa investir em saúde”, e a elaboração de uma política nacional de saúde comunitária estavam ainda entre os desafios apontados pela organização para 2023.

Folha 8 com Lusa

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